Conteúdo organizado por Renato Cividini Matthiesen em 2023 do livro Direito e Inteligência Artificial: O Que os Algoritmos Tem a Ensinar Sobre Interpretação, Valores e Justiça, publicado em 2023 por Hugo de Brito Machado Segundo.
Ciência forense digital e a Inteligência Artificial aplicada à justiça
“Em razão de modificações sociais e da evolução tecnológica, a discussão sobre os danos causados pelo processamento e fluxo de dados na sociedade não se restringe mais à ameaça do enorme poder do Estado, expresso na figura do “Big Brother”, de George Orwell, mas abrange hoje também o setor privado, que utiliza massivamente dados pessoais para atingir os seus objetivos econômicos”.
Mendes, (2014, p 83)
Conforme apresenta Kurzweil (2018, p. 300): “ainda encontro gente que alega que a inteligência artificial definhou nos anos 1980, argumento que é comparável a insistir que a Internet morreu no colapso das .com do começo dos anos 2000. Desde então, passando por altos e baixos, a largura de banda e o preço-desempenho das tecnologias da internet, o número de nódulos (servidores) e o volume de dinheiro do comércio eletrônico aceleraram suavemente. O mesmo aconteceu com a IA”.
A Inteligência Artificial vem sendo considerada como um dos maiores desafios a serem compreendidos e gerenciados, com um nível de complexidade acima de outras tecnologias do passado, como a ampliação de uso de dispositivos computacionais, crescimento da infraestrutura e naturalmente de serviços e conteúdo da Internet e de mídias sociais.
A Ciência Forense Digital (CFD) é uma subárea da Ciência Forense responsável pela análise e investigação de conteúdos desenvolvidos e disponibilizados em ambientes digitais, considerando equipamentos de grande porte como servidores e roteadores que operam em nível global assim como computadores pessoais, dispositivos móveis e de Internet das Coisas. Provavelmente os maiores desafios desta área jurídica seja organizar-se para poder fazer o tratamento de dados dentro de um repositório incomensurável de dados chamado de Big data, as relações com os direitos constituídos pela legislação formal e o vertiginoso crescimento deste conteúdo e seu tratamento com dispositivos munidos de algoritmos de Inteligência Artificial.
Veja, caro leitor, que muito ainda deverá ser analisado e compreendido para que possamos ter os direitos preservados através das leis escritas em um contexto anterior ao desenvolvimento deste novo mundo virtual.
Sistemas de informação específicos de apoio jurídico vêm auxiliando juristas a localizar, analisar e produzir as devidas deliberações na justiça. Atualmente, existem os sistemas apoiados em assistentes pessoais digitais, robôs programados com um volume imenso de possibilidades de respostas ou ainda que podem fazer rápidas pesquisas e trazer respostas baseadas em conteúdos pesquisados. A robô Sophia da Hanson Robotics consegue reproduzir 62 expressões faciais enquanto faz a busca e delibera sobre qualquer assunto. O Google Duplex consegue marcar consultas em um fornecedor de serviços de por uma chamada telefônica sem ser percebido como um software. E o Chat GPT, mais recentemente desenvolvido pela OpenAI como um novo modelo de chatbot, vem espantando as pessoas com suas capacidades de interação com o mundo virtual e real e com a tratativa de informações. Lee e Qiufan (2022) nos ensina que o GPT-3, algoritmo de Inteligência Artificial intitulado como transformador generativo pré-treinado lançado em 2020 possui um conteúdo de dados proporcional ao que um ser humano levaria 500 mil vidas para ler.
Aliado a estas tecnologias, vivenciamos uma nova era de produção de sistemas multimídias com a capacidade de substituição de voz humana ou ainda com a substituição de rostos e corpos humanos interagindo em tempo real em sistemas de realidade aumentada. Um exemplo importante desta tecnologia são os programas chamados de deepfake, que mudam os rostos de pessoas até mesmo em transmissões ao vivo como o DeepFaceLive, o ace Swap Booth ou ainda o sistema Metaphysic, capaz de alterar o rosto de um cantor em uma apresentação musical.
Nas palavras de Candeas (2018, p. 9): “os arautos da tecnologia – e suas empresas, evidentemente – apresentam uma visão demasiadamente otimista, como se o progresso gerasse de moto automático uma sociedade afluente e de livre acesso aos benefícios, às facilidades e aos confortos de uma nova era de felicidade material para todos”. Os desafios da ciência forense serão imensos neste novo mundo híbrido que vivemos.
Assista o vídeo:
Apresentação Google Duplex Legendado PT-BR (com cortes)
Link: <https://youtu.be/Nqhyc8_dwvE>. Acesso em: 13 fev. 2023.
Conheça a empresa Metaphysic e suas aplicações baseadas em Inteligência Artificial e Realidade Aumentada.
Link: <https://bit.ly/3mwSVeF>. Acesso em 13 fev. 2023.
Há pouco tempo, análises judiciais eram realizadas por especialistas forenses que tinham como base provas adquiridas em processos de investigações, relatos e conteúdos de TV e jornais. As provas eram baseadas em evidências materiais, ainda no sentido de materialidade física. Neste novo mundo misturado ao mundo virtual oportunizado pelos computadores pessoais e sistemas em rede, há novas possibilidades de geração de provas ou informações relacionadas a algum acontecimento. A análise forense antes limitada a um conjunto reduzido de fontes, encontra hoje um amplo universo digital que oferece dados compartilhados em rede, principalmente na estrutura da Internet.
Os eventos ocorridos em nível global são expostos em sistemas Web e em redes sociais de forma instantânea. Em 2023, o terremoto ocorrido na fronteira da Turquia com Síria havia resultado cerca de 47 mil mortos até o mês de fevereiro. Ao pesquisar sobre a tragédia no navegador Google, podia-se ver aproximadamente 23.300.000 de resultados com informações sobre o ocorrido em 0,55 segundos. Conforme relato de Chen, Lerman e Ferrara (2020), documentos disponíveis na Internet sobre a Pandemia do Covid19 de 2019-2020 constavam na data mencionada mais de 920 milhões de documentos, o que permitia a análise da pandemia com grande volume de informação, mas também com grande volume de desinformação. Em fevereiro de 2023, uma simples pesquisa sobre o termo Covid19 no Google resultou em aproximadamente 10.050.000.000 de resultados encontrados.
Figura 2 – Informações no Google sobre terremoto na Turquia
Fonte: Google.com (2023)
Os desafios da Ciência Forense Digital atualmente não são mais relacionados à dificuldade de encontrar evidências em um mundo virtual, mas sim de poder analisar uma diversidade de informações sobre o assunto em julgamento. Há métodos modernos que fazem uso de Inteligência Artificial para coleta e filtragem de dados publicados em ambientes digitais, como o Processamento de Linguagem Natural (PLN) e a visão computacional, como forma de aplicação de aprendizado de máquina para o processamento de informações digitais.
O mundo físico e o mundo virtual podem ser vistos como mundos apartados na teoria, mas quando observado a vida híbrida defendida por Candeas (2018), não há mais uma separação destes mundos, levando os eventos ocorridos no mundo real a alguma contraparte em ambiente digital, oferecendo por exemplo, vídeos, áudios, notícias, discussões e pareceres em redes sociais. A análise conjunta de evidências de ambos os mundos se torna importante para a recuperação de informações complementares para a compreensão total do acontecimento, conforme relata Pretti (2021). O autor ainda relata sobre pistas como impressões digitais, pegadas ou sangue, evidências físicas de um breve passado, podem ser complementadas ou substituídas por fotos, clipes de áudio, vídeo, postes em redes sociais, transações bancárias e registros de localização física por dispositivos de GPS (Global Position System).
A Ciência Forense Digital precisou então ser revisitada para absorver a nova realidade de um mundo virtual conectado a um mundo virtual. Os métodos oferecidos pela Inteligência Artificial se tornaram ferramentas necessárias para superar limitações e tentar disponibilizar um conjunto de dados relevantes para organizá-los de modo que a experiência e o conhecimento de um perito judicial possam ser aproveitados de forma adequada no cenário atual.
Verifica-se neste contexto que há um volume incomensurável de informações disponíveis através de sistemas em rede conectados à Internet que inviabiliza análises manuais em tempo hábil, disserta Pretti (2021). Os métodos de Inteligência Artificial precisam ser utilizados para levar ao perito o ferramental necessário para uma correta investigação por análise de dados.
A aplicação de inovação tecnológica no direito vem ganhando espaço no âmbito privado considerando empresas de desenvolvimento de tecnologias específicas para Lawtechs, assim como no âmbito público, com o desenvolvimento de sistemas com Inteligência Artificial para apoio à operação e gestão nos tribunais em todo o país (Brasil).
Em linha com Portilho e Souza (2017), a aplicação de sistemas baseados em Inteligência Artificial no ambiente jurídico é aplicada em diferentes subáreas do direito, suplementando as informações ora apresentada por Gomes (2017) quando justificada sua aplicação no Direito Civil, Direito Penal, Direito Processual e Direito Constitucional em análise sobre o Direito Eletrônico. Vejamos o complemento de Portilho e Souza (2017):
A Inteligência Artificial é vista como uma ciência relativamente nova, que suporta pesquisas e desenvolve novas tecnologias, técnicas, métodos e aplicações para simular, expandir e estender a teoria da inteligência humana, relata Pretti b (2021). Diversos sistemas de software, alguns já apresentados neste curso, vêm sendo utilizados para suportar as atividades jurídicas quando se observa a necessidade de analisar um volume muito grande de informações no contexto do Big Data.
Leia o artigo: ROSS, o primeiro robô advogado do mundo, disponibilizado pelo site Transformação Digital.
Link: <https://bit.ly/3zUHKzp>. Acesso: 13 fev. 2023.
Nesta aula, vimos que a Ciência Forense Digital (CFD) é uma subárea da Ciência Forense responsável pela análise e investigação de conteúdos desenvolvidos e disponibilizados em ambientes digitais, considerando equipamentos de grande porte como servidores e roteadores que operam em nível global assim como computadores pessoais, dispositivos móveis e de Internet das Coisas. Provavelmente os maiores desafios desta área jurídica seja organizar-se para poder fazer o tratamento de dados dentro de um repositório incomensurável de dados chamado de Big data, as relações com os direitos constituídos pela legislação formal e o vertiginoso crescimento deste conteúdo e seu tratamento com dispositivos munidos de algoritmos de Inteligência Artificial. Vimos também que os desafios da Ciência Forense Digital atualmente não são mais relacionados à dificuldade de encontrar evidências em um mundo virtual, mas sim de poder analisar uma diversidade de informações sobre o assunto em julgamento. Há métodos modernos que fazem uso de Inteligência Artificial para coleta e filtragem de dados publicados em ambientes digitais, como o Processamento de Linguagem Natural (PLN) e a visão computacional, como forma de aplicação de aprendizado de máquina para o processamento de informações digitais.
Referências
Bibliográficas
Candeas, Alessandro. (2018). Hybris: inteligência artificial e a revanche do inconsciente. Barueri, SP: Novo Século Editora.
Chen, E.; Lerman, K.; Ferrara, E. (2020). Tracking social media discourse about the covid-19 pandemic: Development of a public coronavirus twitter data set. [Documento eletrônico].
JMIR Public Health and Surveillance, v.6, n.2, p.e19273. Disponível em: <https://bit.ly/40XLEn7>. Acesso em: 13 fev. 2023.
Gomes, Frederico Félix. (2017). Direito eletrônico. Londrina, PR: Editora e Distribuidora Educacional SA.
Kurzweil, Ray. (2018). A singularidade está próxima: quando os humanos transcendem a biologia. São Paulo: Itaú Cultural – Iluminuras.
LAW INNOVATION. (2021). OAB SP implanta assistente virtual com base no IBM Watson para apoiar trabalho de advogados. [Documento eletrônico]. Law Innovation: jornalismo focado no direito 4.0. Disponível em: <https://bit.ly/3KyyRAr>. Acesso em: 13 fev. 2023.
Lee, Kai-Fu; Qiufan, Chen (2022). 2041: como a inteligência artificial vai mudar sua vida nas próximas décadas. 1. ed. Rio de Janeiro: Globo Livros.
Mendes, Laura, Schertel. (2014). Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor: linhas gerais de um novo direito. São Paulo: Saraiva, 2014.
Portilho, Raphaela Magnino Rosa; Sousa, Ricardo José Leite de. (2017). Desafios de uma sociedade influenciada por algoritmos e inteligência artificial: Implicações para o sistema de justiça criminal. [Documento eletrônico]. XXVI Congresso Nacional do CONPEDI São Luís – MA: Direito Governança e Novas Tecnologias. Disponível em: <https://bit.ly/pdf>Acesso em: 10 abr. 2025.
Pretti, Gleibe. (2021). Inteligência Artificial e os desafios da Ciência Forense Digital no século XXI. [Documento eletrônico]. Boca Raton, FL: Must University.
Pretti b, Gleibe. (2021). Inteligência Artificial aplicada na Justiça. [Documento eletrônico]. Boca Raton, FL: Must University.
Human Rights and Privacity - HRP551 - 3.3
Ciência forense digital e a Inteligência Artificial aplicada à justiça
Livro de Referência:
Direito e Inteligência Artificial: O Que os Algoritmos Tem a Ensinar Sobre Interpretação, Valores e Justiça
Hugo de Brito Machado Segundo
Editora Foco, 1ª Ed - 2023.